CONTEÚDO
I – Filosofia Antiga: as origens da filosofia e os filósofos gregos
1. O nascimento da filosofia: mito e razão
2. Os filósofos pré-socráticos: Heráclito e Parmênides
3. Sócrates e Platão
4. Aristóteles
I - FILOSOFIA ANTIGA
AS ORIGENS DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS GREGOS
Introdução
Embora de um modo ou de outro o ser humano sempre tenha exercido seus dons filosóficos, a filosofia ocidental como um campo de conhecimento coeso e estabelecido, surge na Grécia antiga com a figura de Tales de Mileto, que foi o primeiro a buscar uma explicação para os fenômenos da natureza usando a razão e não os mitos, como era de costume.
A filosofia ocidental perdura há mais de 2.500 anos, tendo sido a mãe de quase todas as ciências. Psicologia, Antropologia, História, Física, Astronomia, Matemática, Biologia e praticamente qualquer outra derivam direta ou indiretamente da filosofia. Entretanto as "filhas" ciências se ocupam de objetos de estudo específicos, e a "mãe" se ocupa do todo, da totalidade do real.
Nada escapa à investigação filosófica. A amplitude de seu objeto de estudo é tão vasta, que foge a compreensão de muitas pessoas, que chegam a pensar ser a filosofia uma atividade inútil. Além disso, seu significado também é muito distorcido no conhecimento popular, que muitas vezes a reduz a qualquer conjunto simplório de idéias específicas, as "filosofias de vida", ou basicamente a um exercício poético.
Entretanto como sendo praticamente o ponto de partida de todo o conhecimento humano organizado, a filosofia estudou tudo o que pôde, estimulando e produzindo os mais vastos campos do saber, mas diferente da ciência, a filosofia não é empírica, ou seja, não faz experiências. Mesmo por que geralmente seus objetos de estudo não são acessíveis ao empirismo.
A razão e a intuição são as principais ferramentas da filosofia, que tem como fundamento a contemplação, o deslumbramento pela realidade, a vontade de conhecer, e como método primordial a rigorosidade do raciocínio e da linguagem, para atingir a estruturação do pensamento e a organização do saber.
Capítulo 1: O nascimento da filosofia: mito e razão
A Palavra “Filosofia”
A palavra filosofia é originalmente grega e é composta por outras duas: philos, que significa amor/amizade e sophia, que significa sabedoria; portanto, filosofia é amor pela sabedoria ou amizade pelo saber. Não um amor de quem já possui ou detém aquilo que ama, mas de quem ainda procura a sabedoria, que busca alcançar a verdade.
A tradição nos apresenta o filósofo grego Pitágoras de Samos (Século VI-V a.C.) como o ―inventor‖ do termo filosofia. Segundo o autor do famoso teorema matemático, a sabedoria plena só é possível aos deuses, mas aos homens devem desejá-la, tornando-se filósofos, amante do saber.
A verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la. Ter esses olhos é ser filósofo!
Pitágoras: O criador do termo filosofia.
Mito e Filosofia
O homem grego foi, por séculos, educado pelo mito. A palavra mito vem do grego mythos, que significa contar, narrar algo a alguém. O mito é uma narração fabulosa de origem popular e não refletida, dotada de forte sentido simbólico e pedagógico, que tem por finalidade a explicação do mundo, da realidade que nos circunscreve.
Admirado e amedrontado diante dos fenômenos que o cercam (sem entender o dia, a noite, a chuva, o terremoto, a origem do cosmos, a morte, o amor, entre outras coisas), o homem recorre aos mitos – primeira tentativa de situar-se no mundo – como fonte de explicação para o que vê, mas, como dissemos, já não compreende. Forças sobrenaturais são invocadas, deuses revestem-se de formas humanas (antropomorfismo) e se materializam nos mitos criados para desvendar o inefável.
Em suma, o mito é desprovido daquilo que os gregos chamam de logos, isto é, de razão ou racionalidade; é uma intuição acrítica, pré-reflexiva de um espírito cientificamente primitivo, narrada por um poeta-rapsodo, que a tornava sagrada e, por isso, incontestável e inquestionável.
No século VII a.C., na Jônia, região dominada pelos gregos, o comércio se intensificava, gerando riquezas que favoreceram importantes progressos materiais e culturais. Nesse ambiente de grandes transformações no modo de vida urbano, surgiram questões para as quais as explicações mitológicas soavam cada vez mais insuficientes. Foi nesse cenário que surgiram os filósofos pré-socráticos, assim chamados porque antecederam Sócrates, o primeiro dos três grandes filósofos da Grécia antiga.
Os pré-socráticos são também conhecidos como filósofos da natureza, e essa primeira fase do pensamento grego é chamada naturalista (ou período cosmológico), já que a investigação filosófica é dirigida para o mundo exterior, para a natureza, onde se acreditava ser possível encontrar o princípio de todas as coisas, isto é, aquilo que está em todos os seres existentes, que é comum a tudo. Segundo os filósofos dessa época, esse princípio (arché) seria a chave para conhecer e explicar tudo o que existe no universo.
O período cosmológico confunde-se com os primeiros passos da filosofia no Ocidente e se origina na necessidade intuída pelo homem de explicar de maneira racional – e, portanto, não mítica – a ordem do mundo e/ ou da natureza (physis, para os gregos). A cosmologia é, então, uma filosofia da natureza; daí os primeiros filósofos serem chamados de ―físicos‖ – isto é, só diz respeito ao homem na medida em que ele é parte de um universo natural que o engloba e determina. Dos filósofos pré-socráticos, os mais notáveis são Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia.
O Nascimento da filosofia
Aristóteles afirmava que a filosofia tinha a sua origem no espanto, na estranheza e perplexidade que os homens sentem diante dos enigmas do universo e da vida. É o espanto que os leva a formularem perguntas e os conduz à procura das respectivas soluções. Com efeito, o espanto torna o evidente em algo incompreensível, o vulgar extraordinário.
Os historiadores da filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final do século VII e início do século VI a.C., nas colônias da Ásia Menor, na cidade de Mileto. Apesar da segurança desses dados, existe um problema que, durante séculos, vem ocupando os historiadores da filosofia: o de saber se a filosofia – que é um fato especificamente grego – nasceu por si mesma ou dependeu de contribuições da sabedoria oriental (egípcios, assírios, persas, babilônios, caldeus) e da sabedoria de civilizações que antecederam à grega (Minos, Tirento, Micenas).
Durante muito tempo, considerou-se que a filosofia nascera por transformações que os gregos impuseram aos conhecimentos da sabedoria oriental. No entanto, nem todos aceitaram essa tese, chamada ―orientalista‖, e muitos, sobretudo no século XIX da nossa era, passaram a falar na filosofia como sendo o ―milagre grego‖. Com a palavra ―milagre‖, queriam dizer queriam dizer que a filosofia surgiu inesperada e espantosamente na Grécia, sem que nada anterior a preparasse, ressaltando a excepcionalidade intelectual do povo grego.
Retirados os exageros das duas teses acima, percebe-se que, embora a filosofia tenha dívidas com a sabedoria dos orientais, não se pode negar as profundas mudanças que os gregos operaram naquilo que receberam dos orientais. De fato, tais mudanças foram tão profundas, que até parecia terem criado sua própria cultura a partir de si mesmos.
Capítulo 2: Os filósofos pré-socráticos:
Heráclito e Parmênides
Heráclito de Éfeso
Heráclito. Detalhe da Escola de Atenas, de Rafael.
O Ser como movimento ou devir
Nascido em Éfeso, na Jônia, Heráclito (540?-480? a.C.) é considerado por numerosos autores da história da filosofia o mais importante dos pré-socráticos, apesar de ter sido conhecido como o ―obscuro‖, por apresentar seu pensamento por meio de aforismos, com um estilo propositadamente enigmático. Sua idéia mestra é o devir eterno, a transformação incessante, pela qual as coisas se constroem e se dissolvem em outras. Assim, a idéia absolutamente original trazida por Heráclito é a de que o mundo não é um lugar estático, mas um fluxo, uma mudança permanente de todas as coisas, um constante vir-a-ser. Para Heráclito, nada permanece o mesmo, nem por um instante. O que é hoje, amanhã não mais será. São frases dele:
―O Sol é novo a cada dia” e “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”.
Tudo flui, tudo passa, tudo se move sem cessar. A vida se transforma em morte, a morte em vida; o úmido seca, o seco umedece; a noite torna-se dia, o filósofo e Especialista em Educação pela PUC-GO.
dia torna-se noite; a vigília cede ao sono, o sono cede à vigília; o jovem torna-se velho, o velho se faz criança. O mundo é um perpétuo renascer e morrer, rejuvenescer e envelhecer. Nada permanece idêntico a si mesmo. Assim, para Heráclito, a essência verdadeira está na transformação, na mudança ou devir.
Além disso, tudo tem o seu ser, mas também o não-ser, o seu oposto. Assim, tudo no universo está em permanente guerra contra o seu contrário. Os seres vivos morreriam porque já trariam em si a morte, como que oculta. Conhecer qualquer coisa só é possível porque existe o seu contrário; sabemos o que é a alegria porque experimentamos a tristeza, e vice-versa. O mesmo, segundo Heráclito aconteceria com as qualidades de tudo o que existe, sempre aos pares. Por exemplo, a guerra e a paz, o quente e o frio, o amor e o ódio.
Heráclito concebia o universo e todos os seus fenômenos como uma unidade. Entretanto, a afirmação de que tudo é Um assume em sua concepção um caráter completamente novo: a unidade só existe enquanto processo; a unidade, não vista como algo que permanece na imutabilidade, só permanece enquanto movimento de transformações contínuas. Havia no mundo uma lei, uma racionalidade – o que Heráclito chama de Logos – que dirigia seu movimento, constituindo a sua unidade. Para Heráclito, como já foi dito, tudo flui (panta rei); mas não se trata de um fluxo caótico e desarmonioso, pelo contrário, a guerra e a luta das forças antagônicas é harmonia no mais alto grau, isto é, a unidade do mundo decorre da tensão gerada pelos opostos. Para Heráclito, enfim, o princípio ou ser nada mais é que o vir-a-ser.
Parmênides de Eléia
O Ser é e o não-ser não é
Entre os pensadores eleatas, Parmênides (515?-450? a.C.) é o mais ilustre. Ele, ao investigar a physis (a natureza) e a arché (o princípio de todas as coisas), praticamente deu início às reflexões sobre a lógica e a ontologia (estudo do ser).
Parmênides considera que o pensamento humano pode atingir o conhecimento genuíno e a compreensão. Essa percepção do domínio do "ser" corresponde às coisas que são percebidas pela mente. O que é percebido pelas sensações, por outro lado, é, segundo ele, enganoso e falso, e pertence ao domínio do não-ser. Trata-se de uma oposição direta ao mobilismo defendido por Heráclito de Éfeso, para quem "tudo passa, nada permanece". Seu pensamento influenciou a chamada "teoria das formas", de Platão.
Através dos sentidos, dizia o filósofo, os homens percebem os mais diversos fenômenos naturais, constatam mudanças nas pessoas e nos seres vivos em geral; em resumo, testemunham um mundo que está em constante transformação. Segundo Parmênides, entretanto, o que é percebido pelos sentidos não permite que o homem conheça realmente a verdade, o Ser universal. Por exemplo, ainda que um broto de árvore se transforme em uma frondosa árvore, ele continua sendo um broto de árvore; sua essência não muda.
Segundo esse filósofo, o ser é e o não-ser não é. Em outras palavras, o não-ser simplesmente não existe; é
inconcebível mesmo para o pensamento, pois, se pudesse ser pensado, existiria pelo menos como idéia. Por outro lado, Parmênides afirma que o Ser é imutável e eterno, porque, se sofresse uma transformação qualquer, teria de deixar de ser (isto é, tornar-se não-ser) para tornar-se outra coisa (isto é, de não-ser, tornar-se ser). Mas isso seria impossível, pois nada pode surgir do não-ser.
Ao afirmar que o que é, é e não pode não-ser, Parmênides afirmava um ser já completo, nada mais a ele se poderia acrescentar nem retirar; não sujeito a nenhuma mudança. O Ser imutável era o limite do real e do possível de ser pensado, não havia a possibilidade de pensar qualquer coisa como não existindo, não havia a possibilidade de pensar o ―não-ser‖ e de, portanto, o ―não-ser, ser‖.
O Ser, para Parmênides, deve ser incriado (ingênito) e indestrutível; não pode ter-se originado do nada nem de qualquer outra coisa, pois é absurdo que algo dê origem àquilo que já é. O que é, nunca veio a ser (nunca esteve no devir), pois se veio a ser, um dia não era e, se não era, nunca poderia vir a ser. O Ser não se move, pois, se se movesse, iria para o não-ser, o que é absurdo! O ser é, em suma, objeto de pensamento, pois “pensar é ser”.
Em seus poemas, Parmênides estabelece uma distinção, duas vias do conhecimento: a via da verdade (aletheia) e a via da opinião (doxa). A via da opinião ou da aparência, baseada nas informações recebidas pelos sentidos, podia fornecer conhecimento sobre o mundo sensível, mas, exatamente por captá-lo como múltiplo, instável e transitório, era insuficiente e enganadora para apreender a essência desse mundo, o seu verdadeiro Ser. Este só seria apreendido pela vida da verdade que, desprezando e recusando as informações fornecidas pelos sentidos, fundava-se no uso da razão. Ser, pensar e dizer seriam a mesma coisa. Não-ser, perceber, opinar teriam o significado oposto, nada representando perante o pensamento. Para Parmênides, os sentidos nos oferecem uma visão enganadora do mundo, diferentemente da razão. A razão humana seria o verdadeiro caminho de conhecimento, e não os sentidos
Capítulo 3: Sócrates e Platão
Sócrates
Sócrates no leito de morte, Jacques-Louis David, 1787
O método socrático
Tudo o que sabemos sobre a vida e o pensamento de Sócrates (470?-399 a.C.) é proveniente dos
comentários dos filósofos que seguiram suas idéias, pois ele não deixou nenhum escrito. A figura de Sócrates era, com freqüência, associada à dos sofistas; contudo, o filósofo não vendia os seus ensinamentos – até porque afirmava não possuir nenhum: ―Só sei que nada sei‖, dizia Sócrates – e, ao contrário daqueles, buscava antes de tudo, a verdade e não a aparência do saber. Mas, o que propunha Sócrates?
Propunha que, antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão ―conhece-te a ti mesmo‖, que estava gravada no pórtico do templo do deus Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.
Sócrates fazia perguntas sobre as idéias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, surpresos, percebendo que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e idéias.
A filosofia socrática era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Esses diálogos eram constituídos, de modo geral, por dois momentos: a ironia e a maiêutica. No início do diálogo, Sócrates convida seu interlocutor a filosofar sobre determinado assunto, a buscar a verdade acerca daquilo sobre o que falam. Geralmente, o filósofo começa com uma pergunta do tipo: ―O que é a justiça?‖; é óbvio, caso o assunto fosse do diálogo fosse ―justiça‖ e assim por diante. Ao receber as primeiras respostas, Sócrates passa a analisá-las para ver se ali encontra um conceito (definição) da coisa procurada. Aqui, ao perceber que é uma definição, inicia-se, então a ironia (refutação), que visa demonstrar àquela pessoa que o que ela pensava saber sobre determinado assunto é, na verdade, aparência de saber, opiniões subjetivas, e não a definição buscada.
Na ironia, Sócrates atacava de modo implacável as respostas de seus interlocutores: com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições das afirmações e os novos problemas que surgiam como conseqüência de determinada resposta. Seu objetivo inicial era demolir o orgulho, a arrogância e a presunção do saber. A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da própria ignorância. A ironia socrática tinha um caráter purificador, na medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e verdades. Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente dito destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das conseqüências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.
Após ter reconhecido, o interlocutor estava apto para o segundo momento do diálogo: a maiêutica. Maiêutica é um termo de origem grega que significa ―a arte de trazer à luz‖, ou ainda ―a arte de parturejar‖. Sócrates dizia-se um parteiro de idéias e evocava a imagem de sua mãe – que era parteira – para, numa linguagem metafórica, explicar seu papel de filósofo. Na qualidade de filho de uma parteira, Sócrates, perito em partos, assiste ao parto dos espíritos, dos pensamentos que eles – os espíritos dos interlocutores – contêm sem o saber.
Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituído para reconstruí-lo na procura da definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos de Platão, e é bom lembrar que, no final do diálogo, nem sempre Sócrates tem a resposta: ele também se põe em busca do conceito e às vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas ou não têm uma resposta precisa. Daí a razão pela qual alguns dos diálogos de Sócrates possuem um caráter aporético, insolúvel (aporia).
Texto complementar
Os sofistas
No século V a.C., Atenas vivia o auge de um regime de governo no qual os homens livres decidiam os interesses comuns a todos os cidadãos. Em outras palavras, eles determinavam, em discussões públicas, como a cidade devia ser administrada. Era considerado cidadão o homem que possuísse alguma propriedade (uma casa, pelo menos), que tivesse escravos, e que não fosse estrangeiro. Ou seja, nem todos participavam das decisões públicas; as mulheres, por exemplo, eram excluídas. Esse regime de governo era a democracia ateniense que, embora não garantisse os mesmos direitos para todas as pessoas, representou uma importante mudança no modo de ver o mundo, pois tinha como fundamento a idéia de que o homem tem soberania sobre seu destino.
No mesmo período deu-se o auge da produção de um gênero de teatro conhecido como tragédia. Esse gênero dramático tematizava acontecimentos terríveis, muitas vezes míticos, e tinha a intenção de mostrar as conseqüências de atos imorais e passionais dos homens. A tragédia também era uma reflexão sobre o conflito entre a liberdade individual e o destino, tema que incomodava os cidadãos da democracia: afinal de contas, até que ponto eles teriam poder sobre suas vidas? Como exemplo, temos a história de Édipo Rei, escrita por Sófocles (497?-406 a.C.); baseada num mito, narra como Édipo veio inadvertidamente a assassinar seu pai e se casar com sua mãe, Jocasta, e as punições que o destino reservou para ele, sua família e sua cidade por causa desses crimes.
As propostas que os cidadãos atenienses defendiam publicamente eram feitas por meio de discursos proferidos na ágora. Para obter a aprovação da maioria, esses pronunciamentos deveriam conter argumentos sólidos e persuasivos: falar bem e de modo convincente era considerado, portanto, um dom muito valioso. Por isso, havia cidadãos que procuravam aperfeiçoar sua habilidade de discursar, a fim de melhor convencer os outros. A necessidade de se expressar bem, juntamente com a importância que foi dada ao indivíduo, naquele período concebido como o senhor de seu destino, favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos chamados sofistas, que dominavam a arte da oratória, isto é, o uso habilidoso da palavra. Esses filósofos eram originários de diferentes cidades e viajavam pelas póleis governadas da mesma forma democrática, especialmente Atenas, onde discursavam em público e ensinavam sua arte em troca de pagamento.
Os sofistas, entretanto, não foram somente professores, mas também estabeleceram uma corrente de pensamento própria. Sua preocupação filosófica se voltava para o homem e a vida em sociedade; as questões que ocuparam os pré-socráticos, dirigidas para a natureza e a essência do universo, foram colocadas em segundo plano.
Alguns pensadores sofistas foram Górgias (483?-376 a.C.), Hípias (século V a.C.) e Protágoras (485?-410? a.C.), a quem se atribui uma famosa frase: "O homem é a medida de todas as coisas".
Para os sofistas, tudo devia ser avaliado segundo os interesses do homem e de acordo com a forma como este vê a realidade social. Isso significava que, segundo essa corrente de pensamento, as regras morais, as posições políticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme a conveniência individual. Para esse fim, qualquer pessoa poderia se valer de um discurso convincente, mesmo que falso ou sem conteúdo. Os sofistas usavam, de fato, complicados jogos de palavras, trocadilhos, raciocínios sem lógica, todos os recursos do discurso para demonstrar a "verdade" daquilo que se pretendia alcançar. Esse tipo de argumento ganhou o nome de sofisma.
Segundo a sofística, o que importava para o ser humano era obter prazer com a satisfação de seus instintos, de seus desejos individuais. Assim, até mesmo dominar outros cidadãos seria justificado, se isso gerasse alguma vantagem pessoal.
Em resumo, a sofística destruía os fundamentos de todo conhecimento, já que tudo seria relativo e os valores seriam subjetivos, assim como impedia o estabelecimento de um conjunto de normas de comportamento que garantissem os mesmos direitos para todos os cidadãos da pólis.
Foi nesse contexto que surgiu um pensador cuja doutrina se opunha profundamente à sofística: Sócrates.
Platão
Detalhe de Platão, n'A Escola de Atenas, obra do renascentista Rafael.
A teoria das ideias
Um dos filósofos que mais influenciaram a cultura ocidental, Platão, cujo nome verdadeiro era Arístocles, nasceu de uma família rica, envolvida com políticos. Muitos estudiosos de sua obra dizem que o grego ficou conhecido como Platão por causa do seu vigor físico e ombros largos ("platos" significa largueza). A excelência na forma física era muito apreciada na Grécia antiga e os seus "diálogos" estão repletos de referências às competições esportivas.
Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Platão é a sua teoria das idéias – o termo ―idéia‖ vem do grego eidos, que significa forma – que procura explicar como se desenvolve, ou deveria se desenvolver – o conhecimento humano. Vejamos, então, sua teoria do conhecimento.
Para Platão, o processo do conhecimento se desenvolve por meio de uma passagem progressiva do mundo sensível – da realidade material, corpórea – para o mundo inteligível – lá onde as coisas são, isto é, onde tudo está enquanto essência imutável, imóvel, pura perfeição. Com efeito, a realidade sensível (dos sentidos), da qual, obviamente, fazemos parte, não nos oferece a possibilidade do verdadeiro conhecimento, uma vez que a matéria de que as coisas sensíveis foram feitas tornam tais coisas imperfeitas, mutáveis, corruptíveis e contingentes. O mundo material é contraditório e, por isto, dele só nos chegam as aparências das coisas e sobre eles temos tão-somente opiniões, nunca conhecimento.
O mundo sensível não constitui a verdadeira realidade: é um pálido reflexo de uma realidade superior, de um mundo supra-físico. O mundo sensível, que desliza entre o Ser e o não-ser, só tem realidade na medida em que participa do mundo inteligível ou das idéias. As coisas materiais que nos rodeiam são como sombras das idéias, isto é, simulacros das suas formas primordiais e modelos eternos que habitam o supra-físico. Esses modelos eternos, segundo Platão, são incorpóreos e imutáveis. Embora Platão os chame também de ―idéias‖, eles não existem na mente humana, ao contrário, existem fora do sujeito e fora dos objetos, num plano que o filósofo denomina ―Hiperurânio‖; um plano metafísico ao qual se tem acesso apenas pelo pensamento. Quando vemos uma mesa, por exemplo, ela pode mudar de cor, envelhecer, se estragar; contudo, a essência da mesa permanece sempre a mesma, em qualquer época ou lugar é sempre a ―idéia‖ de mesa. Sobre a essência de mesa se faz conhecimento, mas, sobre a mesa material, tudo o que temos é mera opinião (doxa) e aparência. Assim, todo o nosso esforço deve ser concentrado na tentativa de acessarmos o mundo das idéias para transcendermos esse mundo de devir, vir-a-ser (como demonstrou o filósofo Heráclito).
Mito da caverna.
Portanto, o conhecimento verdadeiro deve, para Platão, ultrapassar a esfera das impressões sensoriais (mundo sensível) e penetrar na esfera racional do mundo das idéias. Ora, de acordo com Platão, a dialética é, por excelência, o conhecimento verdadeiro, o método filosófico que pode nos levar, num processo ascendente, da realidade sensível – da crença e da opinião – para o plano supra-físico – das idéias e essências. A dialética promove uma espécie de separação da alma inteligível com o corpo físico, fazendo com que a alma capte, num plano superior, as coisas totais e perfeitas: a bondade em si, a coragem em si, a sabedoria em si, entre outros. Vale ressaltar que para estar apto a fazer a dialética, o indivíduo deve obedecer a uma fortíssima preparação que vai, em estágios, escolhendo aqueles que têm o espírito mais preparado para encontrar as formas ideais. Deste modo, não são todos que possuem a natureza adequada à dialética; ela está reservada aos que Platão chama de aristoi: os melhores.
A teoria da Reminiscência
Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das idéias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o ―túmulo da alma‖. Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a ―lembrar-se‖ das idéias e descobre uma verdade geométrica.
Política: a função do filósofo
Para compreender o aspecto político da teoria platônica das idéias, é necessário fazer uma analogia com o mito da caverna, segundo o qual os homens viviam, desde a infância, acorrentados no interior de uma caverna, aonde só conheciam sombras do real. O prisioneiro que se libertou das correntes (isto é, o filósofo), ao sair da caverna e contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los.
Eis assim a dimensão política do mito da caverna, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar e governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado. Portanto, para que o Estado seja bem governado, é preciso que ―os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos‖.
Platão propõe um modelo aristocrático de poder. No entanto, não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma sofocracia (governo dos sábios).
Texto complementar
O mito da caverna de Platão*
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um muro alto. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem se locomover, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas as sombras dos outros e de si mesmos por que estão no escuro e imobilizados.
Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras também são projetadas na parede da caverna, como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transportam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam.
Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De inicio, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento.
Ao permanecer no exterior o prisioneiro, aos poucos se habitua a luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com todas as forças para jamais regressar a ela. No entanto não pode deixar de lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também.
Só que os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam fazê-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente acabam por matá-lo. Mas quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo à realidade?
pela PUC-GO.
Capítulo 4: Aristóteles
Aristóteles. Detalhe da Escola de Atenas de Rafael
A metafísica aristotélica
Aristóteles (384-322 a.C.) Nasceu em Estagira, na península macedônica da Calcídica (por isso é também chamado de o Estagirita). Era filho de Nicômano, amigo e médico pessoal do rei Amintas 2o, pai de Filipe e avô de Alexandre, O Grande. Aos 16 ou 17 anos, Aristóteles mudou-se para Atenas, então o centro intelectual e artístico da Grécia, e estudou na Academia de Platão até a morte do mestre, no ano 347 a.C.
Aristóteles retoma a problemática do conhecimento e se preocupa em definir a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, capaz de superar os enganos da opinião e de compreender a natureza do devir. Mas ao analisar a oposição entre o mundo sensível e o inteligível segundo a tradição de Heráclito, Parmênides e Platão, Aristóteles recusa as soluções apresentadas e critica pormenorizadamente o mundo ―separado‖ das idéias platônicas.
A teoria aristotélica se baseia em três distinções fundamentais, que passamos a descrever simplificadamente: substância-essência-acidente; ato-potência; forma-matéria, que por sua vez desembocam na teoria das quatro causas. Todos esses conceitos são desenvolvidos na sua Metafísica ou Filosofia Primeira.
Aristóteles ―traz as ideias do céu à terra‖: rejeita o mundo das idéias de Platão, fundindo o mundo sensível e o inteligível no conceito de substância, enquanto ―aquilo que é em si mesmo‖, ou enquanto suporte dos atributos.
Ora, quando dizemos algo de uma substância, podemos nos referir a atributos que lhe convêm de tal forma que, se lhe faltassem, a substância não seria o que é. Designamos esses atributos de essência propriamente dita, e chamamos de acidente o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de ser o que é. Então, a substância individual ―este homem‖ tem como características essenciais os atributos pelos quais este homem é homem (Aristóteles diria, a essência do homem é a racionalidade) e outros, acidentais (como ser gordo, velho ou belo), atributos esses que não mudam o ser do homem em si.
No entanto, o problema das transformações dos seres ainda não se resolve com os conceitos de essência e acidente, e por isso Aristóteles recorre às noções de forma e matéria. Matéria é o princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, é ―aquilo de que é feito algo‖, o que não coincide exatamente com o que nós entendemos por matéria, na física, por se caracterizar pela indeterminação. Forma é ―aquilo que faz com que uma coisa seja o que é‖.
Todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto a forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie, pela qual todos são o que são, a matéria é pura passividade, contendo a forma em potência. Numa estátua, por exemplo, a matéria (que nesse caso é a matéria segunda, pois já tem alguma determinação) é o mármore; a forma é a idéia que o escultor realiza na estátua. É através da noção de matéria e forma que se explica o devir. Todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência. Assim, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e se transformar no carvalho que era em potência.
Percebe-se aí o recurso aos dois outros conceitos, de ato e potência, que explicam como dois seres diferentes podem entrar em relação, agindo um sobre o outro. O conceito de potência não deve ser confundido com força, mas sim com a ausência de perfeição em um ser capaz de vir a possui-la. Pois uma potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato. Potência é, portanto, o que está contido numa matéria e pode vir a existir, se for atualizado por alguma causa; por exemplo, a criança é um adulto em potência. O ato, por sua vez, é a atualidade de uma matéria, isto é, sua forma num dado instante do tempo; o ato é a forma que atualizou uma potência contida numa matéria. Por exemplo, a árvore é o ato da semente. Potência e matéria são idênticos, assim como forma e ato são idênticos. A matéria ou potência é uma realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto é, da atividade que cria os seres determinados.
Processo de germinação: a semente está em potência para se tornar uma planta.
O movimento é, pois, a passagem da potência para o ato. O movimento é ―o ato de um ser em potência enquanto tal‖, é a potência se atualizando. Tais considerações levam à distinção dos diversos tipos de movimento e às causas do movimento ou teoria das quatro causas: as mudanças derivam da causa material, da causa formal, da causa eficiente e da causa final.
A causa material (ou matéria) é ―aquilo de que é feita‖ uma coisa; por exemplo, a matéria dos animais são a carne e os ossos; a matéria da esfera é o bronze, da taça é o ouro, da casa são os tijolos e cimento, e assim por diante.
A causa eficiente (ou motora) é aquilo que promove a mudança e o movimento das coisas; por exemplo, os pais são causa eficiente dos filhos, a vontade é a causa eficiente de várias ações do homem, e assim por diante.
A causa formal é, como dissemos, a forma ou essência das coisas, a configuração dada a determinada matéria pela ação da causa eficiente. A Causa formal torna a coisa cognoscível.
A causa final ou teleológica constitui o fim ou objetivo das coisas e das ações; ela constitui aquilo em vista de que ou em função de que cada coisa é ou advém; e isso, diz Aristóteles, é o bem de cada coisa.
Mesmo ainda considerando o postulado parmenídeo de que o ser é idêntico ao pensar, Aristóteles pôde superar Parmênides e Platão ao usar os conceitos acima expostos, pelos quais se compreende a imutabilidade e a mudança, o acidental e o essencial, o individual e o universal. Se conhecer é lidar com conceitos universais, é também aplicar esses conceitos a cada coisa individual. Com isso, nem é preciso justificar a imobilidade do ser, nem criar o mundo das essências imutáveis.
Matéria da P1 de Filosofia
Por: Jessica Freitas
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